sábado, 10 de maio de 2008

Marcha fúnebre

Estou envolto em pensamentos sombrios, pensamentos que andam de mãos dadas com as trevas como se fossem bons irmãos. Vou desistir. Já não suporto mais! Talvez seja querer demais... E um fato hoje me fez ainda mais vulnerável a essa teia gélida que eu mesmo ajudo a tecer a cada decepção: o enterro de meu tio.

Bem verdade que eu não tinha muita proximidade com ele já que não se dava bem com muitos da família inclusive meu pai, seu irmão. Não cabe a minha pessoa julgar as atitudes de meu tio e de meus familiares. Detenho-me a refletir sobre o que aconteceu e o que tem acontecido com minha inquietante vida.

Nunca esquecerei daquele rosto olhando fixamente para o cadáver do pai. Nunca esquecerei do abraço de minha tia seguido de um “meu irmão vai embora”. Nunca o esquecimento vai se apossar da postura de meu pai ao lado de sua mãe. Um guerreiro que protege o castelo que, a qualquer momento, pode vir a ruir. Nunca esquecerei também do pranto de alguns e do respeitoso silêncio de outros.

Mas quanta hipocrisia! Bando de hipócritas! Muito fácil ver em suas faces o que realmente pensavam. E o pior de tudo: eu era um deles. Fazia parte daqueles que ali estavam por mera obrigação. Só por isso. Nada mais. Nenhuma lágrima correu em meu rosto. Nenhuma. Houve um momento, único, em que titubeei. Imaginei que a hora de meu pai tivesse chegado. Imaginei-o deixando esse mundo de hipocrisia e decepções. E quase chorei. Meu pranto não veio porque não era justo. Não era justo para com o morto que derramasse lágrimas que não fossem para ele. Lágrimas hipócritas?! Não. Já era suficiente fazer parte daqueles que silenciavam e nada diziam.

São em momentos como esses que realmente percebemos o quanto nós precisamos uns dos outros. Por que só damos conta do real valor de tudo quando já não o temos mais? Não era para ser assim! Temos que perder para nos dar conta de como aquilo era importante para nós? Infelizmente. E quando a perda vem (ela sempre vem, de um jeito ou outro), buscamos o conforto em outros, em algo. É tão infantil esse tipo de atitude que me pergunto até quando faremos semelhante ato. E não encontro a resposta.

Ouço em intervalos regulares, de uma pessoa que muito estimo, do que faria se ela morresse. Sempre disse que sentiria a falta dela, que minha vida seria diferente. Hoje percebi que realmente mudaria. No meu papel de mosca, a aranha teria o nome de arrependimento. E eu sei que ela ia fazer questão de aplicar seu veneno, aos poucos, até que minha alma clamasse pelo descanso eterno. Arrepender-me-ia de muito do que disse e mais ainda do que não disse. Arrepender-me-ia também de alguns feitos e, principalmente, do que não fiz...

Sempre fui um guerreiro. Um guerreiro nórdico! Mas, quando mais preciso de coragem, de perseverança, de luta, sou alvejado por decepções, ilusões, sonhos despedaçados. Meu “suposto” guerreiro está preste a cair em batalha. Não chega aos pés do mestre. Depois de tantos combates, chegou a dolorosa hora da derrota. A hora da aceitação. A hora da rendição. Todo guerreiro precisa de um ideal, algo em que acreditar. Quando isso não acontece, só resta esperar pelo golpe final. E, enquanto esse sórdido inimigo não desfere o golpe de misericórdia, só resta ocupar-se. Só resta buscar conforto em outros, em algo... E no final, quando finalmente o golpe letal for desferido, o único consolo vai ser aquela aranha, aquela maldita aranha, me acompanhando para onde quer que eu vá...

Um comentário:

Heitor Nogueira disse...

"Arrepender-me-ia de muito do que disse e mais ainda do que não disse."
Gostei do texto!